Por Mauro Junior

Aos 15 anos, meu mundo se expandiu não só com os dramas da adolescência, mas com uma jornada que me ensinou o valor do tempo — literalmente. Foi com Chrono Trigger, um RPG lançado em 1995 para o Super Nintendo, que aprendi que os videogames podiam ir muito além do “derrote o chefe e salve o mundo”. Eles podiam emocionar, desafiar, filosofar… e, principalmente, ficar com a gente pra sempre.
Voltar a jogar Chrono Trigger hoje é mais do que nostalgia: é uma reconexão com o que me formou como jogador e como pessoa. E é impossível falar dessa obra-prima sem mergulhar em sua criação, suas mecânicas, seus personagens inesquecíveis e o legado que ainda ecoa por toda a indústria dos games.
Um “Dream Team” que mudou a história dos JRPGs
O nascimento de Chrono Trigger já era histórico antes mesmo do primeiro pixel ser desenhado. A Square montou uma equipe de desenvolvimento apelidada de Dream Team, reunindo três dos maiores nomes da indústria japonesa:

- Hironobu Sakaguchi, criador de Final Fantasy, como produtor.
- Yuji Horii, criador de Dragon Quest, como roteirista e diretor de conceito.
- Akira Toriyama, o mestre por trás de Dragon Ball, como designer de personagens.
A trilha sonora ficou nas mãos do promissor Yasunori Mitsuda, que compôs a maior parte das músicas até adoecer — e então foi substituído por ninguém menos que Nobuo Uematsu, outro pilar da música de games, garantindo que cada faixa carregasse emoção e identidade. O roteiro foi finalizado por Masato Kato, responsável por algumas das linhas narrativas mais marcantes do game.
O time de arte também incluiu nomes que fariam história, como Tetsuya Nomura (Final Fantasy VII), Yasuyuki Honne e Tetsuya Takahashi (Xenogears, Xenosaga, Xenoblade).
O resultado? Um jogo que parecia estar anos à frente do seu tempo — e que até hoje continua atual.
Narrativa: entre linhas do tempo e laços de amizade
A história começa no ano 1000 d.C., na Feira Milenar. Crono, nosso protagonista, presencia o desaparecimento de Marle, uma jovem misteriosa com um pingente mágico. O evento desencadeia uma viagem no tempo que revela uma ameaça cataclísmica: a entidade alienígena Lavos, responsável pela destruição do planeta em 1999 d.C.
A trama atravessa sete eras — da pré-história (65 milhões a.C.) a um futuro pós-apocalíptico (2300 d.C.), passando por uma civilização mágica em 12.000 a.C. Cada período traz desafios únicos, aliados inesperados e consequências que ecoam ao longo do tempo.
É aqui que Chrono Trigger brilha: suas decisões alteram a história, permitindo ao jogador desbloquear 13 finais diferentes, algo revolucionário para a época. Existe até um sistema de New Game+, que permite recomeçar a aventura mantendo níveis, equipamentos e técnicas — uma inovação que viraria padrão nos RPGs japoneses.
Um combate que quebrou as regras da época
A jogabilidade de Chrono Trigger funde o tradicional com o ousado. O sistema de batalha usa o Active Time Battle 2.0, onde cada personagem ataca quando sua barra se preenche, mas tudo acontece diretamente no cenário — sem transições para arenas de combate.
Inimigos são visíveis no mapa, e é possível evitá-los, o que já se diferenciava de quase todos os JRPGs da geração 16-bits. Os personagens possuem técnicas (Techs) únicas, que podem ser combinadas em ataques duplos e triplos — uma inovação que ampliava a profundidade estratégica. Cada personagem pode ser equipado com armas, elmos, armaduras e acessórios que alteram status e abrem novas possibilidades.
Além disso, Chrono Trigger não possui comando de defesa — algo incomum no gênero —, o que reforça a ideia de movimentação constante, atenção à barra de tempo e uso inteligente de itens.
Os sete protagonistas (e um extra)
Cada personagem tem um arco dramático próprio, e suas origens em diferentes eras ampliam a diversidade do grupo:
- Crono: o herói silencioso, um espadachim corajoso e determinado.
- Marle: princesa rebelde, ousada e idealista, cujo verdadeiro nome é Nadia.
- Lucca: inventora genial e melhor amiga de Crono, responsável por várias inovações.
- Frog (Glenn): cavaleiro amaldiçoado por Magus, cuja redenção é uma das mais belas tramas do jogo.
- Robo (R-66Y): robô com alma humana, símbolo da esperança mesmo num futuro desolado.
- Ayla: líder tribal da pré-história, símbolo de força e instinto.
- Magus (Janus): vilão e aliado, uma das figuras mais complexas e trágicas do game.
- Schala (não jogável, mas central para a mitologia): irmã de Magus, ligada diretamente ao reino de Zeal e às consequências da invocação de Lavos.
Da arte aos sons: a perfeição em detalhes
A arte de Akira Toriyama trouxe leveza e carisma aos personagens, enquanto a direção visual construía cenários riquíssimos em cada era. A trilha sonora é, até hoje, considerada uma das melhores da história dos games. Com temas como “Corridors of Time”, “To Far Away Times” e “Frog’s Theme”, Mitsuda conseguiu traduzir em música a alma de cada momento.
Detalhe: o compositor perdeu quase 40 faixas em um problema de disco rígido e, ao final do projeto, chorou ao assistir a cena final junto da equipe.
Versões, relançamentos e legado
Chrono Trigger foi relançado em diversas plataformas:
- PlayStation (1999): com cutscenes animadas produzidas pela Toei Animation.
- Nintendo DS (2008): com nova tradução, finais extras e dungeons inéditas.
- iOS/Android/Steam: criticadas pela interface adaptada de forma descuidada.
- Wii Virtual Console: emulando a versão original.
Fãs também criaram projetos ambiciosos como Chrono Trigger: Crimson Echoes, interquel não-oficial que foi cancelado pela Square Enix quando estava 98% completo.
Curiosidades que atravessam os tempos
- O jogo foi feito em um cartucho de 32 megabits, sem chips especiais, o que exigiu otimizações criativas.
- Mitsuda compôs parte da trilha dormindo no estúdio por dias seguidos.
- O nome “Chrono” deriva do grego “Khronos”, que significa tempo.
- A Square cogitou o nome Chrono Brake para uma sequência, mas o projeto nunca vingou.
- Radical Dreamers, lançado via Satellaview, serviu como uma espécie de ponte textual entre Chrono Trigger e Chrono Cross.
- Chrono Cross (1999) é a sequência oficial, com uma nova história, mas várias conexões narrativas e musicais com o original.
Um jogo que vive mais do que nunca
Mesmo quase 30 anos após seu lançamento, Chrono Trigger continua sendo jogado, debatido, remixado, homenageado. Aparece constantemente nas listas de “melhores jogos de todos os tempos” e ainda inspira desenvolvedores no mundo todo.
Mas, pra mim, Chrono Trigger vai além do legado técnico. É o jogo que me ensinou que salvar o mundo pode ser tão importante quanto salvar quem a gente ama. Que cada escolha importa. E que o tempo, por mais implacável que seja, pode ser domado — se a gente tiver coragem, amigos e um coração aberto para a aventura.
Se você nunca jogou Chrono Trigger, jogue. Se já jogou, volte. Algumas jornadas valem a pena serem repetidas… vezes sem fim.