Quando Clair Obscur: Expedition 33 surgiu pela primeira vez em um trailer cinematográfico, o jogo parecia deslumbrante, mas também levantava suspeitas. Criado por um estúdio francês ainda pouco conhecido, o título prometia “revolucionar os RPGs de turno” — uma afirmação que, para quem acompanha o gênero de perto, é recebida com desconfiança. Como muitos fãs, você talvez tenha encarado esse discurso como exagerado. Mas o que começa com ceticismo se transforma, pouco a pouco, em uma das experiências mais singulares e emocionalmente poderosas do ano.
Um início estranho, sufocante — e necessário
O jogo te joga sem cerimônia em um universo surreal, em que a deusa conhecida como Artífice altera a idade gravada em um monólito colossal, causando a morte de todos que atingem aquela idade. Um mundo onde o tempo não é apenas cruel — ele é lei. É nesse contexto que parte a Expedição 33, a tentativa mais recente de impedir o ciclo.
A introdução, embora visualmente impactante, é densa e rápida demais. Muitos personagens são apresentados com pouco espaço para respiro, e o combate, com suas defesas manuais e QTEs, parece complexo demais para ser digerido de imediato. Para muitos jogadores, esse será um ponto de rejeição. Mas para os que persistem, há ouro escondido sob a superfície.
Combate que exige mais do que estratégia

O sistema de combate de Clair Obscur é tecnicamente um RPG por turnos, mas traz dois diferenciais: os Quick Time Events, que são simples (e até dispensáveis), e as ações defensivas manuais, que se tornam o verdadeiro coração do gameplay. Para se destacar nas batalhas, é preciso reflexo, ritmo e atenção constante.
No começo, isso pode ser um obstáculo — o jogo é punitivo com quem erra as defesas. Mas, ao longo das horas, quando os sistemas de build começam a se abrir e o domínio mecânico aparece, as batalhas ganham fluidez, emoção e intensidade raramente vistas no gênero. Você não apenas assiste um combate: você vive cada segundo dele.
Exploração ampla com um mapa que não ajuda
A estrutura de mundo de Clair Obscur é generosa: há cidades, calabouços, áreas secretas, minigames e mapas verticais de parkour. O problema? O mapa não acompanha essa ambição. Faltam ferramentas básicas como marcadores ou minimapas dentro das dungeons. E o excesso de elementos visuais pode transformar a navegação em um exercício de frustração.
Apesar disso, explorar vale a pena. O jogo recompensa com cosméticos, armas raras e diálogos que enriquecem o universo. Mas o mais notável é o balanceamento: não é necessário grindar. O conteúdo extra é opcional, e a campanha principal é perfeitamente vencível com estratégia, builds bem montadas e domínio das defesas — um feito raro e bem-vindo.
A arte de emocionar com a trilha, o texto e os silêncios

Visualmente, o jogo é um espetáculo. A direção de arte é estilizada, dramática e cheia de personalidade — às vezes até demais, a ponto de dificultar a leitura do ambiente. Mas é na trilha sonora que ele conquista de vez. Canções melancólicas e temas de batalha grandiosos constroem uma atmosfera de constante dualidade: serenidade e caos, medo e coragem.
Momentos como o canto sutil após a morte de um personagem ou as melodias que acompanham grandes reviravoltas narrativas dão alma ao jogo — e garantem seu lugar entre os RPGs mais marcantes em termos de ambientação emocional.
Narrativa em camadas, reviravoltas e catarse
Se há algo que Clair Obscur entrega com maestria é sua narrativa construída em espiral. O jogo te captura aos poucos, com personagens que crescem, relações que se aprofundam e surpresas que reconfiguram o entendimento da história.
A primeira grande virada — cerca de 10 horas dentro da campanha — transforma tudo. A partir dali, o jogo apresenta novos desafios, expande o mapa, aumenta a complexidade das decisões e testa o vínculo emocional com os personagens. O combate evolui, os chefes se tornam espetaculares, e a experiência culmina em uma decisão final poderosa, que não só encerra a história, como também te faz refletir sobre ela.
Mesmo com alguns personagens secundários perdendo espaço no meio da narrativa, o jogo consegue resgatá-los no final. E apesar de alguns tropeços temáticos, a sensação ao terminar Clair Obscur é de ter vivido algo importante. Um jogo que, ao contrário do hype vazio que o cercava, tem muito a dizer e sabe como dizer.
Desenvolvido pela Sandfall Interactive, e publicado pela Kepler Interactive, o game tem versões para PC, PlayStation 5 e Xbox Series X|S.
Veredicto:
Clair Obscur: Expedition 33 não é isento de falhas. O mapa precisa de melhorias, o combate tem uma curva de aprendizado punitiva, e o início pode afastar jogadores mais impacientes. Mas sua força emocional, narrativa ousada, direção artística marcante e originalidade mecânica compensam — e muito.
Poucos jogos conseguem transformar resistência em paixão como este. É uma obra que exige entrega, mas devolve em intensidade. Por isso, Clair Obscur não é apenas um dos melhores RPGs do ano. É um dos mais inesperados e corajosos também.
⭐ Nota: 4.5/5