Lançado no Japão em 29 de março de 1998, Parasite Eve foi o primeiro título da Square (hoje Square Enix) a receber uma classificação “Mature” pela ESRB. O jogo não apenas ousou ao misturar gêneros como RPG, survival horror e terror científico, mas também criou uma ponte inédita entre a ficção científica literária e o videogame narrativo cinematográfico.
Um projeto audacioso da Square no auge da era PS1
Em meio ao sucesso de títulos como Final Fantasy VII e Chrono Cross, a Square apostava alto na experimentação. Parasite Eve foi desenvolvido com orçamento de blockbuster e parte da equipe esteve nos EUA para realizar pesquisas e capturas fotográficas em Nova York, onde o jogo se passa. O investimento foi tão robusto que o jogo foi apelidado internamente como “Square’s first Hollywood game“.
A equipe responsável incluía nomes de peso:
- Direção: Takashi Tokita (Chrono Trigger, Live A Live)
- Produção: Hironobu Sakaguchi (Final Fantasy)
- Design de personagens: Tetsuya Nomura (Final Fantasy VII, Kingdom Hearts)
- Trilha sonora: Yoko Shimomura (Kingdom Hearts, Street Fighter II)
Uma sequência disfarçada
Parasite Eve não é uma adaptação direta do romance homônimo de Hideaki Sena, mas sim uma continuação espiritual e narrativa. No game, a ameaça mitocondrial — que no livro toma forma pela possessão de um corpo humano — é recriada no corpo de uma cantora de ópera chamada Melissa Pearce, que se transforma na nova “Eve” durante um concerto no Carnegie Hall, incinerando a plateia e dando início ao caos.
A protagonista: Aya Brea

A policial Aya Brea, uma novata do NYPD, testemunha o evento e descobre que seu corpo é resistente ao poder da criatura. Isso a leva a confrontar uma conspiração genética de escala devastadora, enfrentando aberrações bio-orgânicas pelas ruas e esgotos de Manhattan — incluindo o Central Park e o Museu de História Natural.
Aya foi uma das primeiras personagens femininas dos videogames japoneses a ser representada com força e profundidade emocional, equilibrando fragilidade humana com coragem inabalável. Sua resistência à mutação mitocondrial a torna uma peça-chave na luta contra a ameaça de Eve.
Gameplay: RPG de sobrevivência em tempo quase real
A jogabilidade de Parasite Eve apresenta um sistema ATB (Active Time Battle) adaptado ao estilo survival horror, com movimentação livre em arenas fechadas. Aya pode usar armas de fogo (pistolas, metralhadoras, escopetas), customizá-las com ferramentas e combinar efeitos — algo inédito para a época.
Além disso, o sistema de Parasite Energy funciona como magia: Aya ganha acesso a habilidades evolutivas conforme combate inimigos, similar ao desenvolvimento de mutações. Elementos como gerenciamento de inventário limitado, escassez de munição e puzzles reforçam a tensão.
Terror biológico e ficção científica
A grande sacada do jogo foi fundir ciência real com horror cósmico. A premissa é inspirada em conceitos genuínos da biologia celular: a ideia de que as mitocôndrias, organelas responsáveis por produzir energia nas células, possam desenvolver consciência própria. Eve, nesse contexto, é a representação de uma evolução espontânea das mitocôndrias contra seus hospedeiros humanos — um eco moderno da ficção à la Frankenstein.
Esse enredo é reforçado por cutscenes intensas e viscerais. Um exemplo marcante é o cavalo que derrete e se reconstrói no zoológico, ou a transformação grotesca de uma mulher grávida num monstro em pleno hospital. A estética do body horror foi elevada à potência máxima no PS1.
Sucesso cult, mas limitado comercialmente
Apesar da aclamação da crítica (com média de 80 a 85 no Metacritic), Parasite Eve não foi lançado na Europa, limitando seu impacto global. Ainda assim, vendeu mais de 1 milhão de cópias e virou um dos jogos mais cultuados da geração. No Japão, a conexão com o romance original ajudou a impulsionar as vendas, enquanto nos EUA, a inovação narrativa atraiu uma base fiel de fãs.
Expansão do universo
Além do jogo original, o universo Parasite Eve se expandiu em diversas mídias:
- Filme live-action japonês (1997), baseado no livro
- Mangás, publicados apenas no Japão
- Parasite Eve II (2000), com foco maior em ação e menos em RPG
- The 3rd Birthday (2010), reboot para PSP que dividiu opiniões
Legado e futuro incerto
Mesmo com fãs pedindo há anos por um remake ou remaster, a Square Enix nunca confirmou planos para reviver a franquia. O maior obstáculo parece ser o uso da marca “Parasite Eve”, já que os direitos do nome estão atrelados à obra literária original, exigindo renegociações com o autor e a editora Kadokawa.